29/04/2015 07:05

Valor Econômico| Valor Econômico

Vou de Carro?

A vida de quem usa carro próprio em São Paulo tem ficado progressivamente mais difícil nos últimos anos. Com milhares de veículos novos alimentando o trânsito mês a mês e os automóveis cada vez mais espremidos nas vias entre novos corredores de ônibus e, recentemente, pela instalação de ciclovias, mais motoristas se veem no dilema de abandonar o carro e adotar meios alternativos de locomoção.

Para quem não quer depender apenas do transporte público, o táxi surge como opção natural para efetuar a maior parte dos deslocamentos. Mas afinal, na ponta do lápis, a escolha de deixar o carro na garagem e usar o serviço de um motorista profissional vale o custo?

O professor de finanças Alexandre Chaia, da Fundação Instituto de Administração (FIA), afirma que abrir mão do carro compensa para quem mora, trabalha e tem atividades de lazer na mesma região. Quanto mais distante for o trajeto durante a semana, menores as vantagens financeiras. “Os custos vão sempre estar relacionados à distância e ao tempo. Assim, quanto mais perto de onde você mora, mais vantajoso usar o táxi e vice-versa”.

De acordo com cálculos de Mauro Calil, fundador da Academia do Dinheiro e especialista em investimentos do banco Ourinvest, táxi é vantajoso financeiramente apenas para quem mora muito perto do trabalho e pode dar-se ao luxo de percorrer no máximo cinco quilômetros, na soma da ida e da volta (ver tabela ao lado).

Nas contas de Calil, de táxi, uma pessoa gastaria R$ 9,6 mil por ano para ir e voltar todos os dias do trabalho, considerando um percurso de cinco quilômetros que, na cidade de São Paulo, corresponde, por exemplo, a residir no bairro de Pinheiros e trabalhar no Itaim Bibi, ambos na zona oeste.

O mesmo trajeto custaria anualmente entre R$ 10,8 mil e R$ 14,2 mil ao proprietário de um carro. Essa variação ocorre, principalmente, devido ao valor do veículo. Quanto mais caro o bem, maiores serão a depreciação, os impostos, o seguro e, consequentemente, o desembolso em reais.

De acordo com a calculadora desenvolvida por Calil, para um veículo de R$ 50 mil que rode perto de 25 quilômetros por dia, os gastos anuais são estimados, de forma conservadora, em R$ 16,7 mil. Desse total, 18,7% são custos apenas com gasolina, considerando que o litro custe R$ 2,99. São Paulo apresenta o menor preço para esse combustível comparado ao restante das capitais brasileiras.

Segundo Chaia, as pessoas só pensam no custo do combustível e esquecem-se das contas adjacentes. Os gastos tangíveis, ou seja, aqueles passíveis de cálculo, não são apenas as despesas fixas, mas também as eventuais. E todas precisam ser colocadas na ponta do lápis. As contas vão além do pagamento anual do IPVA, cujas alíquotas variam entre 3% e 4%, licenciamento e seguro obrigatório.

As despesas mensais com estacionamento, tanto o do trabalho como os dos fins de semana, pesam e muito. Pelas estimativas do professor Calil, os gastos médios para estacionar o veículo apenas nos centros comerciais estão em torno de R$ 3,7 mil por ano. Isso representa cerca de 34% dos custos anuais de um carro de R$ 30 mil que roda de cinco a dez quilômetros por dia. É muito difícil fazer uma estimativa fixa para os estacionamentos eventuais, porque variam muito. Multas e imprevistos também devem fazer parte desta lista de despesas, assim como gastos com mecânicos, revisões e trocas de peças necessárias.

O especialista em finanças e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Samy Dana, afirma que as pessoas tendem a pensar apenas se a parcela do financiamento cabe no bolso, mas esquecem-se de todos os custos. “Carro não é um investimento, é um componente de consumo”, sentencia. Calil concorda e lembra que muitas pesquisas já mostram que as pessoas que consideraram apenas as parcelas do financiamento não conseguiram manter seus veículos. “Esse é um dos motivos para vermos a frota envelhecendo nas ruas”, diz.

Dana chama atenção para a depreciação do bem e o custo de oportunidade, duas variáveis importantes que muitos nem chegam a cogitar. Ao sair da concessionária, o bem já perde em torno de 15% e, em média, 10% a cada ano. Um carro de R$ 40 mil em quatro anos estará valendo R$ 25,4 mil, calcula. Se esses mesmos recursos estivessem aplicados, supondo a uma taxa de 10% ao ano, renderia cerca de R$ 4 mil por ano.

Os aspectos subjetivos são mais difíceis de calcular. Calil ressalta que precisam ser consideradas a opção pelo conforto do transporte individual, a necessidade familiar ou ainda a sensação de liberdade que alguns donos de veículos querem ter, seja para traçar seus próprios percursos ou horários.

“A questão racional, de custos, sempre ficou em segundo plano. Ter um carro me parece nitidamente emocional”, diz o especialista do Ourinvest. “Não há resposta única, depende da utilidade para cada um. É o mesmo que na gestão de fundos: dependendo do perfil do cliente, ele opta por tomar mais risco ou não”, complementa o professor da FIA.

Na avaliação do professor Calil, cada meio de transporte tem seus benefícios. No táxi, afirma, a pessoa pode usar o tempo do percurso para fazer outras coisas que não prestar atenção ao trânsito. No caso do carro, a vantagem é ter um meio de transporte à disposição.

Ele diz acreditar que, dependendo da composição da família – se com filhos pequenos -, é interessante ter um carro, mesmo que a residência fique próxima de terminais de transporte urbano. É o caso da secretária Rafaela Zanatta, 40 anos, casada e com uma filha.

Ela faz parte de uma parcela da população que tem a sorte de trabalhar a poucos quilômetros (5,7 km) de casa e ainda morar perto de duas estações de metrô. O único veículo usado pela família pertence à companhia onde o marido trabalha. “Uma das principais razões para não ter outro carro é o custo. Teríamos de dispor do valor para comprar, arcar com a manutenção, sem contar a depreciação do veículo”, diz ela.

Mas ficar sem carro nenhum, não dá, afirma. Segundo ela, que morou na capital inglesa durante cinco anos, a deficiência do transporte público em São Paulo não permite ir a todos os lugares. “Eu nunca senti falta de carro em Londres”, conta, lembrando que, até para ir a outras cidades vizinhas fazia o trajeto de trem. Aqui, ela tem familiares na cidade de Campinas, interior paulista, para onde vai frequentemente aos fins de semana e não vê outra solução para chegar a não ser de carro.

Calil comenta que há outros fatores a serem considerados além do custo financeiro quando a escolha é manter um carro ou andar de táxi. Segundo ele, para famílias com filhos pequenos, ter um veículo à disposição na garagem é relevante quando se considera que poderá ser usado em casos de emergência, passeios aos fins de semana e idas ao supermercado. E isso, afirma, mesmo que a família more ao lado de terminais urbanos de transporte público.

“Por vontade própria, eu nunca teria um carro”, diz a empresária Milena Cerón, de 39 anos. Usar comumente o táxi para locomover-se sempre foi sua realidade. Primeiramente era pela falta de vontade dirigir em um grande centro como São Paulo. Depois, essa atitude tornou-se filosofia de vida. Quando morou em Toronto, no Canadá, e mesmo mais tarde, ao mudar-se para a zona sul do Rio de Janeiro, um veículo próprio nunca lhe fez falta, porque a combinação entre o táxi e o transporte público sempre funcionou.

Apenas quando engravidou avaliou que um carro seria mais confortável às saídas da família. Surgiu uma boa oportunidade e o veículo foi comprado. “Mas você descobre custos que antes não existiam, por exemplo, gastar R$ 170 em um mês apenas com estacionamento nas idas ao shopping”, diz ela, que continua adepta do uso do táxi para ir ao trabalho.

Tanto Chaia quanto Calil estão de acordo em relação à falta de necessidade do segundo veículo na família. “Aí o custo aumenta demais. E se for o terceiro carro, chamado o do rodízio, é pior ainda”, diz Chaia, ressaltando que, na ponta do lápis, é extremamente mais vantajoso pegar o táxi nos dias em que a circulação do veículo é restrita do que manter o automóvel apenas para isso. Até porque é possível alternar com caronas e, eventualmente, o transporte público.

“Eu adoraria falar que o ônibus é a melhor opção, mas a qualidade do transporte público aqui é péssima. Parafraseando o ex-prefeito de Bogotá, um país rico é onde até os mais ricos andam de transporte público”, diz Samy Dana, ressaltando que a bicicleta é genial, mas, para longas distâncias, não funciona. A não ser que houvesse um sistema efetivamente integrado com outros modais.

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Fonte: Associação Nacional de Transportes Públicos/ANTP